PERSONA
(1988)

PERSONA – Super 8 (coletivo). Desenho. Instalação. Fotografia.

Texto de apresentação – Catálogo

“Fixo instantes súbitos que trazem em si a própria morte e outros nascem – fixo os instantes de metamorfose e é de terrível beleza a sua sequência e concomitância”.
Clarice Lispector

Desde tempos imemoriais, a máscara acompanha o seu humano como seu duplo. Sagradas ou profanas, associadas aos ritos ou aos disfarces, as máscaras tanto encobrem como eelam, conservando sempre sua aura enigmática. Moldadas sobre o rosto, elas reproduzem fielmente a parte mais visível da pessoa e, ao mesmo tempo, mostram sutilmente a mais invisível. Retalhos do psiquismo ou flashes fotográficos a imobilizar a expressão mutável num momento que se eterniza, elas vencem o tempo. Boas razões tinham, pois, os latinos, que usavam o termo “persona” para designá-las.

A atual exposição de Sônia Gutierrez é uma criativa reflexão sobre os processos de despersonalização e personalização em que a busca da interioridade coloca-se como contraponto ao entorno sócio-cultural. As máscaras, únicas e tão identificadoras como impressões digitais contrapõem- se aos bonequinhos em série, perdidos entre as imagens da cidade. Contraponto tanto crítico quanto dramático, pois numa cultura que favorece a despersonalização e procura tornar as pessoas tão intercambiáveis como mercadorias, mais premente se faz a busca do sentido interior de cada individualidade. E se ela pode começar a partir do que cada um tem de mais externo, que é a fisionomia corpórea, é porque, como observa Ortega y Gasset, “o corpo vivo não é, como o mineral, pura matéria. É carne e esta é a sensibilidade e expressão. Uma face, uns lábios, dizem sempre algo; são essencialmente cápsulas de espírito, exteriorização desta intimidade essencial a que chamamos psique”.

Sônia Gutierrez transforma essa descoberta em cerimônia lúdica, prazerosa e participativa. Em percurso marcado pela inquietação constante, que derivou de um grafismo dominado até o despojamento das linhas puras, para formas de expressão cada vez menos tradicionais, ela vem recorrendo, para melhor traduzir suas intenções, a meios tão variados quanto vídeos, montagens ambientais ou colágenos. Esta exposição que inclui técnicas diversificadas tratadas de forma sempre original, é um marco importante na trajetória desta artista, que só aceita a cristalização das máscaras para tentar descobrir o que há por trás.

Maria Carneiro da Cunha
Escritora e jornalista.
São Paulo – 1988.